Discutida há décadas, a reforma tributária é prometida a cada governo que toma posse. A prova disso é que, desde 1991, o governo Collor já citava a necessidade de alteração do sistema tributário vigente, pauta que continuou a ser discutida nos governos seguintes, inclusive, no governo anterior em 2019.
Será que agora o Brasil vai finalmente mudar o seu sistema tributário?
Panorama geral da reforma tributária
O sistema atual considerado caótico, atrapalhando o ambiente de negócios pode ser alterado ainda nesse ano de 2023, gerando um cenário de dúvidas e incertezas principalmente no ramo imobiliário.
A Câmara dos Deputados aprovou no início de julho de 2023 o texto base da reforma tributária com as suas alterações, com a proposta de emenda constitucional que poderá trazer a simplificação dos impostos.
Porém, é importante lembrarmos que a mera simplificação dos impostos não é o suficiente, ainda há muito o que ser definido e, até o final do processo legislativo, que passará pelo Senado e presidência, muitas alterações poderão ocorrer, sendo que o texto apresentado neste material tem como base apenas o texto da lei sem a sua aprovação integral.
Também é de se destacar que será necessária a elaboração de Leis Complementares e definições de alíquotas que, até o momento da publicação deste material, ainda não forma definidas para que possamos avaliar os principais impactos que a reforma trará.
Sendo assim, nosso objetivo aqui é trazer as principais possíveis mudanças que a reforma tributária poderá trazer aos condomínios e as administradoras, assim como seus eventuais impactos, onde serão observados os principais pontos da atual proposta que está em discussão no Congresso Nacional.
Sistema tributário atual
Os problemas do atual sistema tributário são muitos e prejudicam a arrecadação, assim como a relação entre ente tributante e contribuinte, gerando complexidade na hora de avaliar determinado fato gerador o que resulta em recorrentes fiscalizações.
A complexidade normativa é um outro cenário que prejudica o sistema de arrecadação de impostos atuais, desde a CF/1988, foram editadas mais de 460 mil normas tributárias no Brasil, ou seja, 37 normas tributárias por dia útil (fonte: IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação).
Só o ICMS tem 27 legislações Estaduais, cada qual com uma enorme quantidade de alíquotas e regimes especiais, já o ISS tem mais de 5.500 legislações, uma para cada município, cada qual com suas variações. O PIS e a Cofins têm hoje mais de 100 hipóteses de alíquota zero, além de mais de20 regimes especiais. Esse cipoal de normas torna altíssimo o custo burocrático de pagamento dos impostos no Brasil e gera diversas distorções na economia, segundo dados do próprio Ministério da Fazenda.
Guerra fiscal entre os entes da federação, em razão das divergências legais, uma vez que no nosso atual sistema tributário, parte do imposto permanece no estado de origem, ou seja, onde o produto é fabricado e para atrair empresas, o estado de origem abre mão do ICMS a que teria direito, transferindo ao estado de destino (onde o produto é consumido) o crédito de um imposto que não foi cobrado. O problema é que todos os estados passaram a utilizar essa estratégia, competindo entre si e levando a uma situação em que todos perdem. Com a Reforma Tributária, a CBS e o IBS pertencerão ao estado e ao município onde o bem ou serviço é consumido, pondo fim à guerra fiscal.
Falta de transparência na tributação já que atualmente é praticamente impossível se saber a carga tributária efetivamente cobrada, dada a listagem de alíquotas, reduções de base de cálculo, benefícios fiscais e regimes especiais de tributação, além de haver incidência de tributos sobre tributos, cálculo por dentro, restrições à não cumulatividade e existência de créditos presumidos na cadeia.
Elevado grau de litigiosidade e insegurança jurídica, como dito, o número de demandas judiciais sobre a matéria tributária é crescente, hoje há 26,8 milhões de processos de execução fiscal pendentes no Poder Judiciário, que levam em média 7 anos para serem julgados (fonte: CNJ). Os processos tributários, nas esferas administrativa e judicial, ultrapassam 75% do PIB (fonte: Insper).
Este cenário é péssimo para o contribuinte e gera a necessidade de constante avaliação das operações para se esquivar das cobranças indevidas ou realizadas a maior trazendo impactos no custo das mercadorias e serviços que acabam ficando mais caros.
Há tempos a simplificação dos impostos se faz necessária a medida que os problemas acima poderão ser sanados evitando o cenário de incertezas na forma de tributação.
A simplificação promovida pela reforma tributária certamente contribuirá para reduzir significativamente o grau de litígio sobre matérias tributárias.
O que visa a reforma tributária?
A reforma planeja extinguir cinco tributos federais, o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados). Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e PIS (Programa de Integração Social), que serão substituídos pelo Imposto único chamado CBS (Contribuição Sobre bens e Serviços), e a extinção do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), imposto de competência Estadual e o ISS (Imposto sobre Serviços)de Competência Municipal, que serão substituídos pelo IBS (imposto Sobre Bens e Serviços).
Avançando no tema, os órgãos governamentais já trazem materiais diversificados sobre o tema, procurando esclarecer, ao máximo, o possível novo cenário fiscal do Brasil, a exemplo do Ministério da Fazenda que explica os três grandes objetivos da reforma, sendo eles:
• “Fazer a economia brasileira crescer de forma sustentável, gerando emprego e renda: a reforma tributária eliminará as principais distorções causadas pelo atual sistema tributário brasileiro na nossa economia. Com o fim da cumulatividade dos tributos, da guerra fiscal, de discussões e litígios administrativos e judiciais de todas as ordens, a reforma tributária reduzirá custos e acabará com ineficiências para as empresas e para o poder público, que hoje diminuem potencial de crescimento da economia brasileira. Essa transformação gerará um maior crescimento da economia, o que, por consequência, aumentará o emprego e a renda dos cidadãos brasileiros. Quando a economia cresce mais, todos ganham: as empresas, os cidadãos e os governos.
•Tornar nosso sistema tributário mais justo, reduzindo as desigualdades sociais e regionais: os tributos atuais incidem em parte na origem – Estados e Municípios onde estão localizadas as empresas que fornecem bens e serviços – o que concentra a arrecadação em entes federativos que usualmente já são mais desenvolvidos. Nosso modelo tributário atual acaba, portanto, agravando as desigualdades regionais no nosso país. Com a adoção do princípio do destino pela Reforma Tributária, a arrecadação passará da produção para o consumo, ou seja, para os Estados e Municípios em que estão localizados os consumidores. O princípio do destino beneficia, portanto, os Estados e Municípios menos desenvolvidos, promovendo uma redistribuição de receitas e reduzindo as desigualdades regionais. Da mesma forma, o princípio do destino acabará com a guerra fiscal e todas as distorções e ineficiências que ela causa. A reforma também reduzirá as desigualdades sociais, dado que beneficiará mais os brasileiros mais pobres, cujo consumo hoje é mais tributado do que o dos mais ricos. A adoção de uma alíquota-padrão como regra geral e a possibilidade de devolução de parte do imposto pago – o cashback – são fatores que contribuem para o alcance desse objetivo.
•Reduzir a complexidade da tributação, assegurando transparência e provendo maior cidadania fiscal: com a Reforma, as empresas gastarão menos tempo e dinheiro para apurar tributos e enfrentar litígios administrativos e judiciais. Além disso, algumas características do novo sistema como base ampla, não cumulatividade plena e regras uniformes melhoram o ambiente de negócios, eliminam distorções, trazem mais segurança jurídica e estimulam a concorrência leal, resultando em bens e serviços de mais qualidade e com preços mais baixos. A simplificação também significa mais transparência, pois o valor dos tributos cobrados nas aquisições de bens e serviços passará a corresponder exatamente à carga tributária suportada pelos cidadãos, o que hoje não ocorre. Ao saber quanto pagam de tributos, as pessoas podem atuar de forma mais efetiva no exercício da cidadania fiscal, exigindo contrapartidas do Estado e serviços públicos de melhor qualidade.”
Por outro lado, alguns bens e serviços serão colocados em regimes específicos de tributação, sendo aqueles em que há um modelo diferente de apuração do tributo, o que não significa que sejam mais benéficos ou tragam algum tipo de vantagem no seu enquadramento. O recente texto aprovado pela Câmara dos Deputados poderá contempla regimes específicos de tributação, nos termos de lei complementar.
Como exemplo, nas operações com bens imóveis poderá haver a possibilidade de alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, e possibilidade de tributação com base na receita ou no faturamento. Justifica-se porque o mercado imobiliário é bastante heterogêneo, envolvendo aluguéis, venda direta, incorporações, aquisições por pessoas físicas e jurídicas, imóveis comerciais e residenciais, entre outros.
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Para as administradoras de condomínio
Para as administradoras, neste primeiro cenário, é possível dizer que aquelas que estão em regimes específicos de tributação, tais como Simples Nacional, Lucro Real e Presumido, poderão perceber maior diferença com relação ao modelo de tributação, uma vez que passarão a contribuir para IBS e CBS.
Atualmente os regimes do Lucro real e presumido se apresentam da seguinte forma:
Hoje, as empresas do Lucro real, são aquelas que possuem faturamento superior a R$ 78 milhões de reais por ano e tem alíquotas calculadas com base no Lucro Real apurado contabilmente de uma empresa, durante o período de apuração, que pode ocorrer trimestralmente, encerrando-se em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, com o seguinte destaque de tributos:
- IRPJ 15%;
- IRPJ adicional de 10%, quando há parcela do faturamento trimestral superior a R$ 180.500,00
- CSLL de 9% do lucro.
Pode ter impacto no:
- PIS – 1,65%
- COFINS – 7,6% no regime não cumulativo.
As empresas do Lucro presumido são aquelas cujo o faturamento está abaixo de R$ 78 milhões anuais e que não se opere em ramos específicos, como bancos e empresas públicas, com o seguinte destaque de tributos:
- IRPJ 15%;
- IRPJ adicional de 10%, quando há parcela do faturamento trimestral superior a R$ 60.000,00
- CSLL de 9% do lucro.
Pode ter impacto no:
- PIS – 0,65%
- COFINS – 3% no regime cumulativo.
Nesse regime de tributação é importante lembrarmos que o IRPJ (Imposto de Renda) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) vão incidir trimestralmente nas alíquotas de 15% e 9%, respectivamente, apenas sobre os percentuais de presunção de lucro, conforme a atividade da empresa, a exemplo das empresas cuja atividade é de administração de bens móveis ou imóveis, locação ou cessão desses mesmos bens, que terão o percentual de faturamento tributado em 32%.
Além disso, em ambos os casos lembramos que em razão da atividade de administração, ou seja, prestação de serviço poderá haver o recolhimento do ISS (imposto Sobre Serviços) a ser recolhido pelo condomínio administrado pela empresa do ramo de gestão imobiliária, com alíquota a ser definida pelo município da operação, a exemplo de São Paulo que aplica a alíquota de 2%.
Saiba mais. Assista ao vídeo:
Empresas optantes pelo simples nacional
Já as empresas optantes pelo simples nacional, possuem um regime tributário exclusivo para micro e pequenas empresas e quem opta por este enquadramento consegue realizar o pagamento dos tributos pertinentes à sua operação de forma única, desde que o seu faturamento seja até 360 mil reais nos últimos 12 meses.
Nesse caso, segundo o Ministério da Fazenda, a Reforma Tributária manterá as políticas de tratamento especial e favorecido, no âmbito do IBS e da CBS, para pequenas e microempresas, por meio do SIMPLES Nacional, que poderão realizar o recolhimento dos impostos da seguinte forma:
• Apurar e recolher IBS e CBS segundo as regras do SIMPLES, caso em poderão transferir créditos correspondentes ao que foi recolhido neste regime; ou
• Apurar e recolher IBS e CBS pelo regime normal de apuração, podendo apropriar e transferir créditos integralmente, mantendo-se no SIMPLES em relação aos demais tributos.
Outro ponto positivo para as empresas do SIMPLES é que a Reforma Tributária reduz significativamente a necessidade da substituição tributária, que hoje onera as empresas enquadradas neste regime.
Para as administradoras, neste primeiro cenário, é possível dizer que aquelas que estão em regimes específicos de tributação, tais como Lucro Real e Presumido, poderão perceber maior diferença com relação ao modelo de tributação, uma vez que passarão a contribuir para IBS e CBS.
Reforma tributária e os condomínios
Para os condomínios, as mudanças poderão ser vistas posteriormente, após a vigência da lei já que os condomínios são considerados como entidades sui generis, ou seja, tem espécie única, não se assemelhando as empresas, devendo ser aguardada a Lei Complementar que irá legislar a relação dos condomínios com os tributos, uma vez que não podem se enquadrar em um regime tributário específico.
Em regra, os condomínios acabam recolhendo tributos sobre os serviços quando o prestador não possui CNPJ, ou como é dito, empresa aberta, trabalhando por conta.
Nesse cenário, como exemplo, o Condomínio recolhera o INSS, o Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF e, a depender do Serviço o ISS.
Há a possibilidade que, no cenário de vigência da Reforma Tributária o condomínio recolha de forma parecida a atual, o INSS, IRRF e o IBS, em substituição ao ISS.
Validade da reforma tributária
A reforma tributária passará a ter sua validade efetiva após o período de transição que tem por objetivo adequar a nova rotina fiscal aos contribuintes e entes federativos.
A Reforma prevê dois períodos de transição:
- Geral, de sete anos, que alcançará toda a sociedade;
- Específico de 50 anos, para os entes federativos.
Com início em 2026, a transição para a sociedade será concluída em 2033, ano em que os atuais tributos sobre o consumo serão extintos e o novo modelo estará plenamente vigente.
Segundo é explicado pelo Ministério da Fazenda, para viabilizar o início da transição, ao longo de 2024 e 2025 será necessário aprovar as leis complementares que regulamentarão o IBS e a CBS, o Conselho Federativo do IBS, o Fundo de Desenvolvimento Regional e o ressarcimento dos saldos credores acumulados do ICMS, bem como estruturar o modelo de cobrança dos novos tributos.
Além disso é explicado que, no ano de 2026 será de calibragem das alíquotas e testes do sistema. Neste período o IBS terá uma alíquota de 0,1% e a CBS de 0,9%, sendo que o valor recolhido de ambos os tributos poderá ser utilizado para compensar o pagamento do PIS/Cofins e de outros tributos federais.
Já em 2027 haverá a extinção do PIS e da Cofins e se iniciará a cobrança da CBS pela alíquota cheia. Neste mesmo ano, as alíquotas do IPI serão reduzidas a zero, exceto para os produtos manufaturados na Zona Franca de Manaus; e será instituído o Imposto Seletivo.
De 2029 a 2032, haverá a transição do ICMS e do ISS para o IBS, com a redução gradual das alíquotas do ICMS e do ISS e o aumento gradual da alíquota do IBS, de acordo com os percentuais de 10% em 2029, até 40% em 2032.
A integralidade da vigência do novo sistema de tributação está prevista para 2033, com a extinção do ICMS, o IPI e o ISS.
Esse modelo de transição federativa é necessário porque suaviza muito o impacto da reforma sobre a receitados Estados e Municípios cuja participação no total das receitas será reduzida em função da unificação do ICMS com o ISS, da adoção do princípio de destino e da mudança no critério de distribuição da cota-parte do IBS. Essa transição suave, aliada aos efeitos positivos da reforma tributária sobre o crescimento da economia, possibilita ganhos de receita para praticamente todos os entes federados.
Em que pese há a expectativa de favorecimento para determinados setores, tais como os de serviços e produtos essenciais, a expectativa, principalmente para as administradoras e condomínios é que o novo modelo de recolhimento de tributos não onere o contribuinte que passará a perceber uma maior facilidade no modelo de arrecadação.